Diário de pai: Vida nova para todo mundo
Por Luciano Pracidelle
Ufa! São 22h15 e finalmente meu dois soldados estão rendidos. O primeiro é um pré-adolescente de 2 anos. O outro, um bebezão sorridente de 8 meses. E eu, o pai-coruja-general, que passa o dia mais obedecendo do que dando ordens. Olho no relógio e fico aliviado. Mais um turno acabou.
Se tudo der certo, terei umas três ou quatro horas de vida adulta -- parece muito, mas acreditem em mim: é um malabarismo encaixar as leituras (inclusive a do jornal), a prostração em frente da televisão, a higiene pessoal e aquele sexo silencioso, cheio de cansaço e temperado com medo de uma interrupção involuntária.
Meus dois filhos foram muito esperados, mas não planejados. Minha mulher, Fabiana, e eu somos (ou éramos) aquele casal meio yuppie-carreirista, que trabalha bastante, mas também curte bastante a liberdade da vida sem pequerruchos...
Quando ficamos grávidos, muita gente dizia "a vida muda depois dos filhos". Não concordo. Acho que a vida acaba e começa outra, melhor em muitos pontos, mas mais complicada em alguns. De repente nos vimos tendo que organizar planos logísticos mirabolantes para ir ao cinema muito de vez em quando e trocar chefs famosos pelo delivery de comida chinesa.
Sou um pai participativo. Não consegui parir os moleques nem amamentá-los, mas o resto, faço tudo. Acompanhei todas as consultas do pré-natal e quase todas as idas ao pediatra (mais muitos cheques) e ao pronto-socorro (relaxa, criança fica doente semana sim semana não).
O parto
Que ansiedade! Enquanto os 8 meses da gravidez passam rápido, o último leva uma eternidade. Enfim, chega o grande dia. Tudo acontece muito rápido e carregado de um turbilhão de emoções.
A mulher sofrendo de dor, as malas (inclusive a do pai, afinal nós também ficaremos alguns dias fora de casa), o trânsito para a maternidade e lá, uma série de burocracias para serem resolvidas, uma mulher em prantos e eu com um misto de ansiedade, medo e impotência. O que fazer? O que dizer? Como confortar a futura mãe? Chamo o médico mais uma vez? Vou desmaiar quando vir o sangue? Vou saber pegar o bebê?
Num dado momento me tiram de cena. Vou para o vestiário dos médicos onde me troco e espero intermináveis 20 minutos para entrar na sala de parto. Chegando lá uma multidão de médicos, assistentes, enfermeiras. A expectativa acelera meu coração, faz a boca secar. Quando menos espero, ouço aquele choro agudo seguido de uma movimentação.
Corta aqui, limpa ali, leva pra lá. É uma avalanche de sentimentos. Minhas lágrimas escorrem, a garganta ganha um nó, o corpo treme, o sorriso vai de orelha a orelha. Fizemos uma pessoa. Nasceu um pai!
Os primeiros dias
Passada a excitação das primeiras horas, me sinto anestesiado e muito cansado. Espera aí, que movimentação é essa no quarto? Começou. O cara vem mamar. Uma da manhã. Quatro da manhã. Sete da manhã... E assim segue. São vários dias de peito e colo da mãe. E só dela. Eu, coadjuvante, tentando ajudar, mas o pequeno ainda não me conhece e, certamente, não se importa muito com aquele sujeito que divide a cama com a mãe dele.
Parte do meu apoio moral passa por trocar umas 10 fraldas numa noite, vários macacões porque meu rapaz insiste em fazer xixi nos 30 segundos em que está sem a fralda; e por torear as tias que não vejo desde o meu casamento, mas que insistem em vir em casa na primeira semana de vida do rebento.
Em alguns dias, com o corpo não acostumado a 24 horas intensas, passo a operar em estado de letargia. Não é fácil conciliar uma rotina profissional já cansativa com o turno de pai -- sempre imprevísel, sempre fisicamente extenuante.
As pessoas mais sensíveis do escritório (que são poucas) notam a olheira, os suspiros, os passos mais lentos. A grande maioria mal percebe as xícaras de café que se acumulam na mesa.
Mas não há como negar: ele é um bibelô, um ursinho de pelúcia. Começo a me acostumar com meu filho, achá-lo diferente dos outros bebês (na verdade não é!).
Aprendendo a amá-lo
Ninguém costuma comentar muito, mas para mim o primeiro sentimento foi de responsabilidade. O amor chega aos poucos, com o dia-a-dia, o primeiro sorriso, o primeiro chamego, aqueles passos trôpegos, as palavras truncadas.
A relação com meu filho se fortaleceu com o tempo. Antes de ter os meus, eu assistia encantado a pais e filhos e imaginava que esse sentimento deveria ser instantâneo, como um amor à primeira vista. Não é.
Você vê aquele pequeno ser gritando, sabe que é seu e imediatamente quer protegê-lo, porém o elo, o amor e, principalmente, as afinidades vêm com o tempo.
A natureza é sábia, porque a força do sentimento apaga da memória todo o trabalho diário, a rotina, as noites maldormidas. Quem vai pensar em trabalho diante da experiência mais prazerosa que pode existir?
Aquele moleque que se joga no meus braços quando acorda de manhã, que se aninha no meu colo na hora do cansaço e que ri de qualquer careta que eu faço desperta o que há de melhor em mim. Um amor incomensurável. Que, de tão forte, tão forte traz junto um grande medo. Medo de que um dia isso acabe, que alguma coisa aconteça, de que algo enverede para o lado errado.
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