segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Diário de pai: Vida nova para todo mundo - Por Luciano Pracidelle

Diário de pai: Vida nova para todo mundo


Por Luciano Pracidelle

Ufa! São 22h15 e finalmente meu dois soldados estão rendidos. O primeiro é um pré-adolescente de 2 anos. O outro, um bebezão sorridente de 8 meses. E eu, o pai-coruja-general, que passa o dia mais obedecendo do que dando ordens. Olho no relógio e fico aliviado. Mais um turno acabou.

Se tudo der certo, terei umas três ou quatro horas de vida adulta -- parece muito, mas acreditem em mim: é um malabarismo encaixar as leituras (inclusive a do jornal), a prostração em frente da televisão, a higiene pessoal e aquele sexo silencioso, cheio de cansaço e temperado com medo de uma interrupção involuntária.

Meus dois filhos foram muito esperados, mas não planejados. Minha mulher, Fabiana, e eu somos (ou éramos) aquele casal meio yuppie-carreirista, que trabalha bastante, mas também curte bastante a liberdade da vida sem pequerruchos...

Quando ficamos grávidos, muita gente dizia "a vida muda depois dos filhos". Não concordo. Acho que a vida acaba e começa outra, melhor em muitos pontos, mas mais complicada em alguns. De repente nos vimos tendo que organizar planos logísticos mirabolantes para ir ao cinema muito de vez em quando e trocar chefs famosos pelo delivery de comida chinesa.

Sou um pai participativo. Não consegui parir os moleques nem amamentá-los, mas o resto, faço tudo. Acompanhei todas as consultas do pré-natal e quase todas as idas ao pediatra (mais muitos cheques) e ao pronto-socorro (relaxa, criança fica doente semana sim semana não).

O parto


Que ansiedade! Enquanto os 8 meses da gravidez passam rápido, o último leva uma eternidade. Enfim, chega o grande dia. Tudo acontece muito rápido e carregado de um turbilhão de emoções.

A mulher sofrendo de dor, as malas (inclusive a do pai, afinal nós também ficaremos alguns dias fora de casa), o trânsito para a maternidade e lá, uma série de burocracias para serem resolvidas, uma mulher em prantos e eu com um misto de ansiedade, medo e impotência. O que fazer? O que dizer? Como confortar a futura mãe? Chamo o médico mais uma vez? Vou desmaiar quando vir o sangue? Vou saber pegar o bebê?

Num dado momento me tiram de cena. Vou para o vestiário dos médicos onde me troco e espero intermináveis 20 minutos para entrar na sala de parto. Chegando lá uma multidão de médicos, assistentes, enfermeiras. A expectativa acelera meu coração, faz a boca secar. Quando menos espero, ouço aquele choro agudo seguido de uma movimentação.

Corta aqui, limpa ali, leva pra lá. É uma avalanche de sentimentos. Minhas lágrimas escorrem, a garganta ganha um nó, o corpo treme, o sorriso vai de orelha a orelha. Fizemos uma pessoa. Nasceu um pai!

Os primeiros dias


Passada a excitação das primeiras horas, me sinto anestesiado e muito cansado. Espera aí, que movimentação é essa no quarto? Começou. O cara vem mamar. Uma da manhã. Quatro da manhã. Sete da manhã... E assim segue. São vários dias de peito e colo da mãe. E só dela. Eu, coadjuvante, tentando ajudar, mas o pequeno ainda não me conhece e, certamente, não se importa muito com aquele sujeito que divide a cama com a mãe dele.

Parte do meu apoio moral passa por trocar umas 10 fraldas numa noite, vários macacões porque meu rapaz insiste em fazer xixi nos 30 segundos em que está sem a fralda; e por torear as tias que não vejo desde o meu casamento, mas que insistem em vir em casa na primeira semana de vida do rebento.

Em alguns dias, com o corpo não acostumado a 24 horas intensas, passo a operar em estado de letargia. Não é fácil conciliar uma rotina profissional já cansativa com o turno de pai -- sempre imprevísel, sempre fisicamente extenuante.

As pessoas mais sensíveis do escritório (que são poucas) notam a olheira, os suspiros, os passos mais lentos. A grande maioria mal percebe as xícaras de café que se acumulam na mesa.

Mas não há como negar: ele é um bibelô, um ursinho de pelúcia. Começo a me acostumar com meu filho, achá-lo diferente dos outros bebês (na verdade não é!).

Aprendendo a amá-lo


Ninguém costuma comentar muito, mas para mim o primeiro sentimento foi de responsabilidade. O amor chega aos poucos, com o dia-a-dia, o primeiro sorriso, o primeiro chamego, aqueles passos trôpegos, as palavras truncadas.

A relação com meu filho se fortaleceu com o tempo. Antes de ter os meus, eu assistia encantado a pais e filhos e imaginava que esse sentimento deveria ser instantâneo, como um amor à primeira vista. Não é.

Você vê aquele pequeno ser gritando, sabe que é seu e imediatamente quer protegê-lo, porém o elo, o amor e, principalmente, as afinidades vêm com o tempo.

A natureza é sábia, porque a força do sentimento apaga da memória todo o trabalho diário, a rotina, as noites maldormidas. Quem vai pensar em trabalho diante da experiência mais prazerosa que pode existir?

Aquele moleque que se joga no meus braços quando acorda de manhã, que se aninha no meu colo na hora do cansaço e que ri de qualquer careta que eu faço desperta o que há de melhor em mim. Um amor incomensurável. Que, de tão forte, tão forte traz junto um grande medo. Medo de que um dia isso acabe, que alguma coisa aconteça, de que algo enverede para o lado errado.

Susto e orgulho


Agora, passados quase dois anos, já pai de dois filhos e não mais tão marinheiro de primeira viagem, curto meus meninos muito mais despreocupadamente. Já não os acho tão frágeis assim.

Meu mais novo, o Bernardo, é um bebê superindependente que confirma que "segundo filho se cria sozinho". O mais velho, minha miniatura, é um companheirão. Todo urbanete: senta no café comigo, come minha "bolachinha papai", é louco por pão com manteiga na chapa da padaria, devora chocolate meio-amargo de sobremesa, vai comigo ao escritório pegar algo esquecido no fim de semana, está ao meu lado no supermercado, na hora de rolar no chão, de apostar corrida, de comer a mesma comida, de dar muitas e deliciosas gargalhadas juntos.

Num belo domingo ensolarado, acordamos cedo e vamos ao parque. Encontramos amigos, brincamos muito. Almoçamos macarrão e nos lambuzamos com sorvete de chocolate de palito. A excitação é tanta que nesta tarde não tem soneca. Pai e mãe jogados na cama lutando contra o sono, nosso caçula cochila. Mas o azougue de 1 ano tem uma energia infinita e, num piscar de olhos, lá está ele com uma caixa de comprimidos na mão...

Pulo da cama, olho a cartela, faltam pílulas. É remédio para controle de pressão, velho, do fundo da gaveta. Será que ele engoliu? Entramos em pânico.

Fabiana fica em casa com o menor. Apavorado, faço uma mala às pressas, pego o moleque e saio em disparada. São 20h. Vamos conversando no carro. Ele, achando que vai passear naquela hora, "que diferente", comenta. Está no maior bom humor, cantando a "Dona Aranha". Eu, desesperado, lamentanto o descuido, achando que a vida e a felicidade são absolutamente frágeis.

Que desenrolar triste para um dia tão perfeito! Que medo visceral de que tudo acabe, de que a experiência seja tão curta, de que todos aqueles planos vão por água abaixo e, com eles, acabe meu casamento, minha razão de viver.

Correria no pronto-socorro. Não sei dizer à médica se ele realmente tomou o comprimido. Sinto-me o pior dos seres humanos, irresponsável, com raiva de mim mesmo, culpado. No celular uma mãe em prantos. Tem que entrar em processo de desintoxicação. Não podemos correr o risco. A mãe nos sites de busca, procurando efeitos colaterais, sofrendo, pensando nas possibilidades.

Tala no braço, enfermeiros dos dois lados ajudando o pai a segurar aquele rapazinho de olho grande e assustado, que tinha saído de casa achando que iria passear. A enfermeira acha a veia e dá uma agulhada para colocar o soro. Choro estridente do filho e muita lágrima silenciosa do pai. Passa o choro, passa o tempo. Por sorte, o remédio tem absorção lenta e é neutralizado pelo líquido que entra pela veia. O processo é vagaroso. Leva horas.

Meu menino, passado o susto inicial, conversa com todo o plantão, médicos, pacientes. Canta, corre, brinca. O pai vai atrás, segurando a bolsa do soro, já aliviado, conseguindo esboçar um sorriso. Orgulhoso dessa criança forte, linda, simpática e que é minha. Pedra bruta que moldamos a cada dia. Amor indescritível. São 4h. Daqui a pouco tem que levantar para trabalhar. Tudo bem...

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